Escadas

Eu não sei amar. E já amei demais. Isso jamais poderia dar certo mesmo. Não que exista a medida correta das coisas. Durmo mais do que o normal e quando acordo não lembro do sonho. Alguém os rouba. Essa noite eu lembrei. Estava grávida do filho que a gente nunca vai ter. E rolei as escadas.O médico disse que o bebê ainda estava ali. Mas eu sabia que não, o bebê nunca ia nascer. Eu que já amei demais, sabia que ele não ia nascer. Eu que já amei errado decidi nunca mais amar desse jeito, demais. Porque eu perdi a medida das coisas corretas, que nem existe. Mas eu perdi. Não, assim demais não vou amar nunca mais ninguém. Porque produz muita água e muito sofrimento e muito sonho e muitas noites eu vivo os sonhos e esqueço depois. Um homem nunca perdoa uma mulher que ama demais. Eu sei. Ela não sabe a medida correta das coisas. Ela não soube enxerga o momento que acabou. Mas é porque ela ainda lembra de alguns sonhos. Como quando ela engravidou do fruto que nunca virá. Pra ele, ela é agora só uma coisa feia, de alguém que perdeu a medida certa das coisas. De alguém que não percebeu a hora de ir embora. De uma mulher que pede a ele o fruto que nunca virá. E ele deixa ela rolar na escada, porque não tem mais o que lhe dar.