Sexta-feira santa

- Corre pra ver, pai! A procissão ta passando
- Num vai lá ver não senão eles vão ficar com raiva porque vc não ta lá.
- Mas eu não sou católica. Nossa, como diminuiu. Eles não convecem mais ninguém mesmo.
- Não, o problema, filha, é que eles querem andar por Santo André toda. Tinha que ser uma caminhada simbólica.
- Simbólica como? Dar uma volta entorno da igreja?
- É, pode ser. Na verdade é chato também porque não tem mais o Jesus sangrando, sendo chicoteado. Não tem mais graça. Agora é esse Jesus aí que fica cantando hino, todo alegre. Ah, pelo amor de Deus, assim ninguém vai mesmo.

(Eu era uma criança apaixonada por procissões. Adorava carregar a vela e ver a encenação no final. Lembro daquele mar de gente. Um pouco mais jovem, paquerava os menininhos que também eram obrigados a andar pelo bairro cantando na sexta-feira santa. Meu avô diz que se você coloca a cabeça pra fora da janela na madrugada deste dia, leva um tapa na cara do diabo. E se assobiar, o saci aparece. Sempre fui fiel às lendas. Mas o tempo foi embora, e junto com ele algumas de mim também.)