Essa não é a sua vida.

11 de outubro de 2007

Antes de morrer

Tem coisas que preciso fazer pra morrer satisfeita. Não feliz, mas satisfeita. Porque feliz é complexo demais.
A primeira delas é ser gigante por pelo menos um dia. Pisar nos prédios como se fossem caixinhas de remédio, usar o oceano como vaso sanitário. E a cena que não me sai da cabeça é hora em que como as árvores. Porque poucas pessoas percebem, mas o brócolis é uma mini árvore deliciosa. Talvez as árvores não sejam tanto. Só saberei depois de comê-las.
A outra realização é a chuva de florzinhas amarelas. Elas parecem ovo mechido no chão. E me perseguem desde que era teenager e passava pela Francisco Amaro pra ir pro colégio. Agora estão por todo o chão da rua Catequese. Mas nunca vi chuva de florzinha amarela. Vai chover florzinha amarela em todo meu cabelo. Só não quero viver o suficiente para ver as florzinhas virarem um grande problema social. Vão cair tantas que entupirão os bueiros e as calhas e quando vier a água lá do céu, vai encher tudo. As donas de casa ficarão malucas com tanta varrição. Os políticos farão campanha pra dizer que as chuvas de florzinhas amarelas vão acabar. Ficarei muito triste.
Talvez eu não morra satisfeita, sabe. Quando minha mãe fizer a autópsia (a cigana disse que ela viverá muito), perceberão que meu coração é feito de uma pasta de jiló e mel. Uma mistura estranha que mais tarde revolucionará os transplantes de coração, mesmo que seca ou trincada. A medicina ignorará os drásticos efeitos psicológicos da substituição. E terei instaurado meu segundo problema social em poucos meses. Mas odeio encrenca. Só quero o dia de gigante e a chuva de florzinhas. Pode ser tudo no mesmo dia. Triunfal. Ignorem o coração quando abrirem o peito.

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